Nova entrega



Do percurso e das apresentações 

No caminho que percorri até à Fundação CESDA (Centro Social do Distrito de Aveiro) para uma entrega de vários sorrisos postais, fui pensando na forma como seria recebida... a expectativa e a ansiedade seguiam comigo. A chuva forte dificultava a viagem e abandonei ambas, temporariamente.
Chegada à Fundação e depois das devidas apresentações, foi tempo de conversa sobre o projecto e o seu objectivo, a participação e contribuição de todos os que dele fazem parte, os postais... um pouco de tudo, um muito de nada e o tanto que poderá ser feito com este projecto em crescimento, sendo que cada entrega é uma vivência diferente e um retorno a um passado recente: a entrega de um postal ilustrado e escrito, com a emoção de que quem o recebe.
Saliento que a receptividade desta partilha, aquando dos primeiros contactos, foi logo acarinhada pela Dr.ª Liliana Brandão e pela dr.ª Francisca Rocha. O entusiasmo foi evidente.
Considerando a dificuldade na entrega personalizada dos postais destinados aos utentes na valência do apoio domiciliário, a coordenação da tarefa ficou a cargo da dr.ª Francisca, que entretanto fará chegar os postais a cada um dos utentes. A animadora social, Luciana Ferreira, também inserida na conversa dado que faria o acompanhamento da minha visita, respondeu à proposta com um enorme sorriso.


Da entrega e dos olhares

A interrupção da aula de ginástica com a nossa entrada, fez erguer algumas sobrancelhas em sinal de dúvida, ou seria desagrado por uma quebra na rotina, ou então seria mesmo pela a expectativa de algo diferente?
A Luciana, elevando um pouco mais a sua voz, explicou aos idosos qual era a razão da minha presença na sala de convívio. Entre sorrisos tímidos e outros mais expressivos, a distribuição aleatória dos postais foi realizada recorrendo à chamada individual de cada um dos utentes, cujo nome estava inscrito no verso do postal. Com mais ou menos dificuldade, os olhinhos brilhantes foram observando, atentos, a fotografia ou a ilustração que tinham à sua frente. Quanto ao texto correspondente foi lido de forma intercalada, ora por eles, ora por nós, conforme a necessidade.
Houve quem perguntasse se era necessário pagar alguma coisa. Pagar? A minha resposta foi no sentido de que este gesto correspondia a um pequeno mimo, a um agrado que um grupo de amigos decidira fazer. A pergunta tão simples levou-me a um pensamento silencioso. A inesperada oferta, a troco de nada, causava-lhes estranheza. Por mais algum período ficamos na sala, contudo faltava completar a entrega aos restantes utentes que se encontravam recolhidos nos quartos, fosse por vontade própria ou por impossibilidade física de deslocação. Com sorrisos, palavras meigas e alguns silêncios de olhares mais apagados, a distribuição dos postais ficou concluída.


Do que vi, da partilha e do que somos

A permanência por mais algum tempo na fundação e a conversa com a Luciana, possibilitou a observação e o entendimento de quão difícil é gerir este espaço, criando todas as possibilidades de bem-estar, de cuidados e de afectos, no sentido de transformar a velhice daqueles que tanto deram à vida em período de aconchego e partilha.
Antes da visita e tendo consultado em determinada altura o site da fundação, encontrei a seguinte citação, sem um autor definido: "Para o ignorante, a velhice é o inverno da vida; para o sábio, é a época da colheita.". Na verdade nada poderia ser tão certo quanto isto e considerando a vivência deste dia. Estive perante pessoas que tiveram uma vida activa, com histórias de vida marcadas por momentos tão diferentes, tão intensos, tão peculiares e que agora se encerram em silêncios, em recordações, em esquecimento... Hoje, no simples estender de uma mão, por vezes ancilosada e tolhida, para receberem um postal, a afectividade transmitida foi inigualável, indescritível e em toda a sua medida, humana. 
Nas salas, nos corredores, nos quartos, cruzei-me com afectos, gestos de ternura, dedicação, rostos vincados, olhares vivos, outros apagados, na valorização do que é simples, do que aconchega, do que se partilha.
Somos efémeros, inegáveis efémeros e a vida que temos é tão precária, tão periclitante, feita de um sopro... o tempo passa por nós e fingimos não o ver. Olhamos para o lado e assobiamos. Não aproveitamos as janelas que aparecem. E depois da infinidade de possibilidades, quando a realização é de todo irreversível, resta-nos olhar para o que ficou perdido no tempo e nós nele.
Dos momentos que me foram proporcionados, quer na dimensão dos afectos, na partilha efectiva de emoções, quer na aprendizagem obtida, reforço, mais uma vez,o valor de uma palavra: GRATIDÃO.
Obrigada à Fundação CESDA (utentes, técnicos, auxiliares, voluntários, todos sem excepção), ao Paulo Kellerman, imparável dinamizador e gestor do projecto e ao grupo de amigos que forma o que somos: um enorme abraço em forma de Sorriso Postal.

Cristina Vicente

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